O Chevrolet Monte Carlo 1974 de José Américo Crippa ostenta todos os recursos de um "lowrider" (veículo com suspensão modificada para andar colado no chão), incluindo rodas cromadas deslumbrantes, capota conversível, pintura num tom vermelho de maçã do amor e bombas hidráulicas que fazem o carro pular no ar ao apertar de um botão.
"Estou dando uma geral nele", disse Crippa, 41 anos.
Com um sorriso de quem sabe o que fala, Crippa, dono de um lava-rápido e de um restaurante especializado em hambúrgueres, reconhece que a "geral" se resume somente à restauração e personalização de automóveis vintage. Crippa tempera seu português com uma interpretação própria das gírias da subcultura mexicano-americana da zona leste de Los Angeles.
E ele também tenta acompanhar os detalhes de morador de bairro chique nos pés, calçados com tênis Nike Cortez, e exibindo a tatuagem de uma bola de bilhar com o número oito no antebraço.
A disseminação dessa subcultura aparentemente distante, com adeptos brasileiros chamando a si mesmos de "cholos" e rodando em automóveis rebaixados e lentos causa perplexidade aqui na maior cidade da América do Sul. Quem não tem recursos para comprar um carro vintage e transformá-lo num "lowrider" simplesmente perambula pelas labirínticas ruas de São Paulo com bicicletas cheias de acessórios, como guidões altos e selins banana.
Até mesmo quando apenas ficam zanzando em shorts cáqui tamanho extragrande e camiseta regata branca, eles falam de algo maior: a fluidez global de conceitos de etnia, identidade e estilo, divulgando muito além de seu local de nascimento uma cultura de rua antes ligada intimamente às fronteiras dos Estados Unidos e México.
Por exemplo, músicos japoneses estão fazendo rap num "espanglês" (mistura de inglês e espanhol) surpreendentemente preciso. Volvos "lowrider" podem ser vistos nas estradas do interior da Inglaterra. Pioneiros do rap como Spanky Loco têm seguidores em lugares como Barcelona, a capital da Catalunha, no nordeste da Espanha. Na Nova Zelândia, jovens maori de bicicletas "lowrider" estão gravando videoclipes com um bando de homens de camisa de flanela e mulheres sorridentes lavando carros vintage norte-americanos.
"É meio irônico porque se alguns desses imitadores fossem deixados em regiões de Los Angeles, a polícia poderia prendê-los ou as gangues poderiam dar um jeito neles", afirmou Denise Sandoval, professora de estudos mexicanos no campus de Northridge da Universidade Estadual da Califórnia. "Entretanto, a cultura digital em que vivemos facilita esse fascínio pela cultura urbana de Los Angeles, e ela vem ganhando força."
Sandoval, que estuda a disseminação dessa subcultura pelo mundo, se disse surpresa quando um amigo, Estevan Oriol, fotógrafo que documenta as culturas de rua da Califórnia, voltou de uma viagem a São Paulo com imagens de "lowriders" em condições aparentemente perfeitas, ao lado de seus orgulhos proprietários.
De algumas formas, São Paulo parece ser um bom lugar para o florescimento de um mundinho "lowrider" com contornos precisos. Partes desta megacidade travada pelo trânsito, com uma população metropolitana de quase 20 milhões de habitantes, fazem a vastidão urbana de Los Angeles parecer um tanto quanto pitoresca. Grafites e pichações decoram vias elevadas e rios canalizados.
Ainda assim, a adoção desse estilo de vida em São Paulo, que já engloba centenas de pessoas envolvidas em clubes de automóveis, bicicletarias e marcas de moda locais, reflete padrões de imigração e questões de identidade étnica num grande contraste com as dos Estados Unidos.
A própria palavra "cholo" tem uma história polêmica. Durante o período colonial espanhol, era um termo ofensivo direcionado a certos grupos indígenas e, no século XIX, era empregada nos EUA para depreciar trabalhadores mexicanos e mestiços, de acordo com a "Oxford Encyclopedia of Latinos and Latinas in the United States" (enciclopédia Oxford de latinos e latinas nos Estados Unidos).
Ainda segundo a enciclopédia, no século XX, o termo "cholo" passou a designar pessoas associadas a uma gangue ou simplesmente quem copiasse sua estética e estilo, implicando numa "recusa em ser assimilado" pela cultura dominante. Hoje em dia, a palavra é criticada por alguns e adotada por outros.
No Brasil, porém, os "lowriders" e a estética da cultura de rua mexicano-americana tomou um caminho diferente, que às vezes passa primeiro por outro país. "Vi meus primeiros 'lowriders' no Japão e fiquei imediatamente fascinado com seu encanto", disse Sergio Hideo Yoshinaga, 43 anos, proprietário de uma oficina em São Paulo onde motoristas chegam a pagar mais de US$ 100 mil para transformar seus carros em obras-primas de rodar lento.
Yoshinaga é um dos milhares de brasileiros, na maioria descendentes de imigrantes japoneses, que se mudaram para o Japão na década de 1990 em busca de empregos industriais com salários relativamente bons. Ele só ficou por cerca de um ano. Segundo ele, esse tempo bastou para mergulhar num mundinho grande o bastante para englobar uma série de clubes automobilísticos e uma edição japonesa da revista "Lowrider Magazine".
"Fui um pioneiro ao voltar a São Paulo", contou Yoshinaga. "Agora existem esses imitadores de quinta categoria por aqui, dizendo que são 'cholo' isso, 'cholo' aquilo. Tem gente que pensa que pode comprar seu ingresso na cultura com dinheiro." Para ele, tais aspirantes não passam de impostores.
A percepção de autenticidade tem um preço, explicando, talvez, por que muitos desse mundo são de famílias de classe média. Uma calça Dickies, parte essencial do figurino, custa cerca de US$ 20 nos EUA, mas pode sair por muito mais de US$ 50 no Brasil. E os preços de tênis, redes para cabelo e camisas de flanelas importados, mais as despesas, são ainda maiores.
Comprar um carro fabricado no Brasil, mesmo usado, costuma custar pelo menos o dobro do que nos EUA, principalmente em função dos impostos. Não podemos nos esquecer das proibitivas taxas adicionais sobre veículos importados, como os Cutlasses, da Oldsmobile, ou os Buick Regals, da década de 1970, desejados por clubes de "lowrider" não só do Brasil, mas do mundo inteiro. E a gasolina é consideravelmente mais cara no Brasil do que nos EUA, custando em média acima de US$ 1,30 o litro, principalmente em função dos pesados impostos.
Mesmo assim, os fãs paulistanos dão um jeito, contando histórias de viagens aos EUA em missões de compra para trazer na bagagem sistemas hidráulicos, aros de roda e latas de tinta automotiva em cores de doce, rezando o tempo todo para os fiscais da alfândega não descobrirem a carga preciosa.
"Eu fiquei muito impressionado ao ver como eles são engenhosos", disse Phuong-Cac Nguyen, jornalista de Los Angeles que está preparando um documentário sobre a subcultura no Brasil. "Eles encontram obstáculos a cada passo, mas é aí que seu 'jeitinho' entra em ação", ela contou, empregando uma palavra adorada no Brasil para descrever um modo criativo de contornar regras para alcançar um objetivo.
Existem círculos em São Paulo que levam sua dedicação a outro nível. Antônio Carlos Batista Filho, 47 anos, estilista de roupas de olhos azuis cujo apelido é Alemão, disse estar envolvido com a cultura desde o começo da década de 1990, depois de assistir a filmes norte-americanos sobre a vida das gangues na Califórnia.
Batista Filho declarou ter juntado uma coleção de pôsteres, pinturas, filmes e roupas com a qual espera formar a base do primeiro museu de São Paulo do que chama de "cultura cholo". Ele se disse incentivado pela entrada em cena de jovens imigrantes de fala espanhola dos países vizinhos.
Os mais recentes autoproclamados "cholos" de São Paulo vêm, na maioria, da Bolívia, vizinho mais pobre que se tornou uma das principais fontes de imigrantes do Brasil. Num processo de alguma forma similar à imigração de mexicanos aos EUA no último século, milhares de bolivianos recentemente vieram apostar suas fichas em São Paulo em busca de trabalho.
Alguns deles encontram neste mundinho da cidade uma avenida para se expressar. Tomás Cahuana Huanca, 27 anos, boliviano que trabalha no setor de confecção da cidade, pilota sua bicicleta "lowrider", projetada por ele mesmo, pelo centro velho de São Paulo. De acordo com ele, alguns "cholos" paulistanos estão envolvidos com gangues, mas não muitos. "Aqui, a cultura é toda centrada nas bicicletas, carros, no estilo."
"É mais desse jeito no México e em parte dos EUA", disse Huanca. "Aqui, a cultura é toda centrada nas bicicletas, carros, no estilo."